A
deficiência de micronutrientes como vitamina A, ferro e zinco são considerados
um grande problema de saúde pública em muitos países em desenvolvimento e
ocasionam diversos agravos à saúde dos indivíduos,
pois esses nutrientes apresentam importante atuação na manutenção
de diversas funções orgânicas vitais, como crescimento, reprodução, função
antioxidante e função imune. A deficiência de micronutrientes, durante o período
gestacional, pode trazer consequências adversas para saúde das gestantes e para
o desenvolvimento fetal. Durante o período de lactação, as deficiências
nutricionais da nutriz podem contribuir para a manutenção de baixas reservas de
nutrientes nos lactentes, aumentando as chances para o desenvolvimento de
carências nutricionais nos primeiros anos de vida, período em que há maior
prevalência de agravos à saúde infantil.
Vitamina A
A
Vitamina A é um micronutriente essencial para diversos processos metabólicos,
como a diferenciação celular, o ciclo visual, o crescimento, a reprodução, sistema
antioxidante e imunológico. Apresenta especial
importância durante os períodos de proliferação e rápida diferenciação celular,
como na gestação, período neonatal e infância.
A
deficiência de vitamina A (DVA) existe em mais de 96 países do mundo, sendo
que, no Brasil, estudos realizados em várias localidades têm demonstrado índices
preocupantes em gestantes e recém-nascidos, dentre outros grupos.
Estima-se que 10 a 20% das gestantes sejam acometidas pela
cegueira noturna, sintoma da deficiência de vitamina A, e que a mesma se
associe com risco cinco vezes maior de mortalidade materna nos dois anos
pós-parto. Além disso, as
gestantes com cegueira noturna e DVA parecem estar mais predispostas às
intercorrências e complicações gestacionais, tais como aborto espontâneo,
anemia, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, náuseas, vômitos, falta de apetite e
infecções do trato urinário, reprodutivo e gastrointestinal.
O
ácido retinóico desempenha papel importante no período embrionário, atuando
mais especificamente no desenvolvimento do coração, olhos e dos ouvidos.
Trabalhos experimentais sugerem que a ingestão tanto deficiente,
quanto excessiva de vitamina A no período gestacional está associada a defeitos
congênitos cerebrais, oculares, auditivos, do aparelho gênito-urinário e
cardiovascular, podendo promover reabsorção de embriões e, até mesmo, a morte
fetal, sendo que a associação entre a DVA e a perda
reprodutiva também foi descrita em humanos. Sabe-se
que durante a gestação as reservas fetais de
vitamina A são limitadas e acredita-se que esse fenômeno
esteja relacionado com a seletividade da barreira placentária que atua
regulando a passagem dessa vitamina da mãe para o feto, provavelmente para
evitar efeitos teratogênicos. Tal mecanismo favorece a baixa reserva hepática
de vitamina A no recém-nascido, independente da ingestão materna, com exceção
em casos de ingestão excessiva ou deficiência materna grave.
Há também relato, em recém-nascidos, de baixa produção da proteína
responsável pela mobilização hepática de Vitamina A (Retinol
Binding Protein - RBP), com valores correspondentes a 60%
daqueles observados nas mães, em virtude da imaturidade hepática ao nascer.
A
suplementação de vitamina A durante a gestação ou imediatamente após o parto
pode beneficiar as gestantes com esta carência nutricional, pelo aumento das
reservas hepáticas maternas. Dessa forma, a
suplementação de gestantes que apresentam essa carência nutricional vem, cada
vez mais, ganhando espaço durante a atenção pré-natal, sobretudo quando fatores
que afetam a ingestão dietética estão presentes.
Diante
deste contexto, os níveis séricos de retinol de recém-nascidos são menores que
os níveis maternos em cerca de 50%, sendo essa situação crítica em caso de
prematuridade, pois tanto o nível sérico, quanto a reserva hepática de vitamina
A, tendem a ser mais baixos. A formação de
reservas fetais de vitamina A se inicia durante o último trimestre de gestação
e, após o nascimento, necessita de vários meses de ingestão adequada para
construir suas reservas. Normalmente, a
transferência de vitamina A da mãe para o filho é 60 vezes maior durante os
seis meses de lactação, quando comparada à transferência ocorrida durante os
nove meses gestacionais, sendo a concentração
de vitamina A no leite materno suficiente para suprir as necessidades diárias,
supondo-se o estabelecimento de amamentação plena.
O
leite materno é de suma importância e deve-se ressaltar que o seu conteúdo de
Vitamina A é influenciado pelo estado nutricional de Vitamina A materno.
Portanto, caso o leite seja proveniente de nutrizes com dieta
pobre em vitamina A, desnutridas ou, caso a criança seja desmamada
precocemente, as reservas do recém-nascido serão baixas e aumentarão as
probabilidades de desenvolvimento de DVA. As nutrizes que apresentam
desnutrição moderada podem suprir as necessidades fisiológicas de seus bebês
durante as primeiras semanas de aleitamento, pois o colostro e o leite materno,
na fase inicial da lactação, são ricos em Vitamina A. Entretanto, após esse
período, o teor de vitamina A do leite é diminuído nessas mães, podendo comprometer
a reserva hepática do lactente, trazendo graves conseqüências para a sua saúde,
devido ao papel da vitamina A no sistema imunológico.
Sabe-se que a deficiência em crianças está freqüentemente
associada à diarréias, infecções respiratórias e sarampo,
contribuindo para o aumento das taxas de morbidade e mortalidade
infantil.
Ferro
O
ferro é o oligoelemento mais abundante no organismo humano, participando de
diversos processos metabólicos, incluindo o transporte de elétrons, metabolismo
de catecolaminas (co-fator da enzima tirosina hidroxilase) e síntese de DNA.
A deficiência de ferro apresenta elevada prevalência mundial,
estimando-se que cerca de 60% das gestantes apresentem anemia.
Nos países em desenvolvimento, cerca de 1,1 bilhão de mulheres e 96
milhões de gestantes são anêmicas.
As necessidades de ferro variam,
acentuadamente, a cada trimestre gestacional. Os requerimentos não se alteram
no primeiro trimestre devido à ausência de menstruação, apesar da vasodilatação
generalizada e do aumento no volume plasmático circulante. A partir do segundo
trimestre, esses requerimentos começam a se elevar, em decorrência do aumento
das necessidades de oxigênio para mãe e o feto, perdurando até o final da
gestação, sendo necessário manter os níveis adequados de hemoglobina para
garantir a saúde materno-fetal, e para que o feto possa desenvolver-se
adequadamente. Caso contrário, o recém-nascido terá mais chance de desenvolver
baixo peso. A anemia ferropriva
grave e, em alguns casos, a moderada, estão
associadas ao aumento da mortalidade materna.
Embora não estejam bem esclarecidas as
causas do aumento da mortalidade em gestantes anêmicas, apontam-se como
possíveis fatores: o comprometimento cardíaco, a hemorragia antes e durante o
parto33 e a deficiência do sistema imunológico materno.
A
carência materna de ferro durante o período gestacional também pode comprometer
o desenvolvimento do cérebro do recém-nascido, levando ao prejuízo no
desenvolvimento físico e mental, diminuição da capacidade cognitiva,
aprendizagem, concentração, memorização e alteração do estado emocional.
Apesar
da falta de conhecimento sobre o mecanismo exato de comprometimento, sabe-se
que a deficiência desse mineral está associada às alterações no metabolismo de
neurotransmissores e na formação da bainha de mielina. Nos primeiros meses de vida,
observa-se redução fisiológica da concentração de hemoglobina e aumento
proporcional das reservas corporais de ferro,
verificando-se que a absorção de ferro dietético é pequena e vai aumentando à
medida que diminuem as reservas corporais, o que geralmente ocorre por volta do
quarto ao sexo mês de vida em crianças a termo. Em crianças amamentadas
exclusivamente ao
seio, consegue-se manter a homeostase de ferro até o quarto ou sexto mês de
vida, independente do consumo materno de ferro. A partir daí, elas ficam
sujeitas à deficiência, devido à depleção de suas reservas, ao baixo conteúdo
de ferro do leite e à introdução
da alimentação complementar.
Os
lactentes encontram-se entre os grupos mais vulneráveis
à anemia, devido às necessidades aumentadas de
ferro para a formação de novos tecidos e
expansão do número de hemácias, uma vez que a reserva hepática de ferro
encontra-se adequada somente até os primeiros seis meses de vida.
Entretanto, caso a deficiência ocorra neste período, a anemia
ferropriva pode acarretar redução na condução nervosa e prejuízos na memória,
que se tornam irreversíveis mesmo após a correção da deficiência de ferro.
A suplementação de ferro na gestação geralmente é recomendada,
mesmo na ausência de anemia, objetivando satisfazer o aumento dos requerimentos
desse mineral durante os dois últimos trimestres gestacionais. Tal fato deve-se
à dificuldade de atendimento das necessidades de ferro serem atingidas somente
pela ingestão dietética, principalmente em países em desenvolvimento, onde o
padrão alimentar apresenta baixa disponibilidade desse oligoelemento. Para o período
gestacional, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) recomenda uma suplementação
de 60 mg de ferro/dia durante seis meses.
Caso a suplementação seja iniciada em um período
que não permita atingir os 180 dias até o final da gestação, a
dose recomendada passa a ser de 120 mg/dia.
Zinco
O
zinco é um micronutriente necessário à reprodução, diferenciação celular,
crescimento, desenvolvimento, reparação tecidual e imunidade. Nutriente
essencial é constituinte de mais de 300 metaloenzimas que participam no
metabolismo de carboidratos, de lipídios e de proteínas e na síntese e degradação
de ácidos nucléicos. A deficiência de zinco é responsável por diversas anormalidades
bioquímicas e funcionais no organismo humano, devido à participação desse
micronutriente em uma ampla gama de processos metabólicos. Os prejuízos na
velocidade de crescimento rápido como na infância, e em fases onde as necessidades
apresentam-se aumentadas como na gestação e lactação, na função imune e nos
resultados obstétricos, são conseqüências dessa carência nutricional que podem
ser corrigidas através de suplementação específica. A carência de zinco no
período gestacional está relacionada com aborto espontâneo, retardo do crescimento
intra-uterino, nascimento pré-termo, pré-eclampsia, prejuízo na função dos
linfócitos T, anormalidades
congênitas, como retardo neural e prejuízo imunológico fetal.
Por
outro lado, a suplementação em gestantes foi responsável pelo aumento na idade
gestacional na ocasião do parto e pelo aumento no peso ao nascer, segundo um
estudo realizado com mulheres afro-americanas. Os
recém-nascidos apresentam um declínio fisiológico nos estoques hepáticos de
zinco. Em países em desenvolvimento, o armazenamento
desse nutriente em lactentes ainda pode ser reduzido em virtude do baixo peso
ao nascer e do deficiente estado nutricional materno,
ocasionando anormalidades da função imune e aumento da morbidade
por doenças infecciosas.
Portanto,
a melhora do estado nutricional de zinco contribui para a diminuição da mortalidade
infantil por diarréia e doenças respiratórias. Embora o zinco esteja
abundantemente difundido nos alimentos, alguns fatores interferem na sua biodisponibilidade.
Uma dieta rica em alimentos integrais e fitatos, a suplementação elevada de
ferro (30 mg/dia), fumo, o abuso do álcool e o stress
causado por infecção ou trauma podem diminuir a concentração plasmática materna
de zinco, reduzindo sua disponibilidade para o feto. Gestantes nessas condições
devem receber uma suplementação de 25 mg/dia de zinco, a fim de minimizar o
risco de complicações associadas à sua deficiência 52
como a mortalidade neonatal por doenças infecciosas.
Interação de Vitamina A, ferro e zinco
É
reconhecida a interação entre o metabolismo da vitamina A, do ferro e do zinco,
pois a deficiência de um desses nutrientes pode prejudicar a utilização dos demais
pelo organismo humano. O zinco é requerido para a síntese hepática e secreção
de RBP, proteína responsável pelo transporte da vitamina A. Portanto, em
situações de deficiência desse mineral, a produção de RBP está reduzida,
resultando em carência secundária da vitamina A, que é caracterizada pelos
baixos níveis séricos de retinol, mesmo na presença de níveis hepáticos
adequados dessa vitamina.
Dentro
desse contexto, a suplementação de vitamina A combinada com zinco se torna mais
eficiente em portadores da DVA, principalmente em puérperas com nutrição
inadequada e baixa concentração sérica de zinco. A deficiência de ferro também
influencia os níveis séricos de retinol, pois postula-se que sua carência pode comprometer
o funcionamento normal da mucosa intestinal, dificultando a absorção da vitamina
A proveniente da dieta e prejudicando a sua biodisponibilidade.
Em contrapartida, há uma correlação entre a DVA e a anemia, visto
que a suplementação dessa vitamina aumenta a mobilização hepática de ferro,
estimulando a eritropoiese. A suplementação de
vitamina A, juntamente com a de ferro durante a gestação, tem sido sugerida
para otimizar a absorção da vitamina A dietética pela melhora da função da
mucosa intestinal, que pode estar comprometida na anemia ferropriva.
Portanto,
as interações que ocorrem entre o metabolismo do ferro, do zinco e da vitamina
A devem ser consideradas na elaboração dos programas de intervenção,
objetivando a prevenção e tratamento das deficiências desses micronutrientes de
forma mais eficaz, sobretudo para o grupo materno-infantil.
Referências:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1519-38292007000300002&script=sci_arttext
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-84842010000800007&script=sci_arttext